Saiba o que tem fundamento e o que é lenda nas receitas caseiras contra dengue 24/04/2008 - 09h24
FLÁVIA GIANINI Colaboração para a Folha de S.Paulo
Borra de café no pratinho da planta impede que o mosquito da dengue deposite seus ovos, assim como a mistura de vinagre balsâmico, noz-moscada e ervas aromáticas, certo? Errado, segundo especialistas. Nem borra, nem vinagre, nem inhame. A epidemia de dengue e o pânico instalado nos locais mais afetados se tornaram o cenário perfeito para a popularização de receitas milagrosas, seja para manter o mosquito longe, seja para minimizar os sintomas dolorosos.
Os mais assustados podem perder tempo, dinheiro, vasos de planta e até a saúde acreditando no uso de repelentes caseiros e remédios naturais sem comprovação científica de eficácia. Desde o início da epidemia, uma série de e-mails circula pela rede afirmando os benefícios dessa ou daquela medida -várias com o nome de um pesquisador, biólogo ou médico para corroborar a indicação.A Folha consultou especialistas para comentar as dicas mais populares. Todos afirmam que não dá para subestimar o Aedes aegypti. Desconfiar de milagres é o primeiro passo para afastar a doença.
Repelente caseiro
Esse é o mais recente dos e-mails que circulam na internet. Segundo a mensagem, é só preparar uma mistura com cânfora, cravo-da-índia e outros ingredientes e, "voilà", um repelente natural sem contra-indicações e bem mais em conta que os de farmácia. Porém, não funciona. Algumas pesquisas apontam que o cravo-da-índia tem ação anti-séptica, mas não repelente. "O repelente funciona porque é um remédio tóxico para o mosquito. Por isso, não deve ser usado continuamente, já que, em grandes quantidades, também pode prejudicar humanos. No entanto, não existe toxicidade na cânfora", explica a farmacoterapeuta e bioquímica Bárbara Furtado, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Própolis
Entre as receitas mais divulgadas na rede, está o uso de própolis de abelha. A substância teria o poder de eliminar o vírus da dengue do organismo contaminado, atuar como repelente e tratar febre e dor de cabeça. O e-mail explica que a própolis possui flavona e vitamina B, que, exaladas pelo suor, manteriam o mosquito afastado. De acordo com Furtado, da UFMG, a própolis possui característica de alimento. "Ela teria que atravessar muitas barreiras corporais sem ter suas moléculas alteradas para ser um repelente eficiente na pele", diz.O médico sanitarista Antônio Sérgio da Fonseca, da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) é enfático ao afirmar que não existe droga capaz de eliminar o vírus nem de controlar as reações imunológicas. "É melhor dar preferência a barreiras físicas como calças compridas e meias", completa.
Complexo B
Tem efeito repelente, mas ainda não se sabe qual a dosagem, a forma de aplicação e a garantia de proteção que o complexo ofereceria. "Não existe confirmação científica concreta sobre o uso do complexo. Faltam informações sobre como, quando e quanto usar", afirma Fonseca, da Fiocruz. Existe o risco ainda de hipervitaminose para quem toma o complexo continuamente. E a vitamina só age no momento da transpiração. "Seriam necessárias quantidades enormes de vitamina para tornar o complexo B eficiente. E, ainda assim, não ficamos suados o tempo todo", afirma o médico infectologista Ivo Castelo Branco, do Núcleo de Medicina Tropical da UFC (Universidade Federal do Ceará) e consultor sobre a dengue para a Organização Mundial de Saúde.
Andiroba e citronela
Velas e infusores à base de óleos essenciais dessas plantas podem, de fato, manter o mosquito afastado. Segundo pesquisas já realizadas, o cheiro delas causa uma intoxicação nos insetos semelhante à ação dos inseticidas. Mas a eficácia se resume ao cômodo onde está acesa, se não houver correntes de ar no local nem portas ou janelas abertas. As velas também devem ser acesas durante o dia, já que o mosquito tem hábitos diurnos. "A citronela já é usada pelos setores de controle de zoonoses há alguns anos", confirma Furtado.
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