quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Pais, Escola ou TV: Quem Fala de Sexo?!

Com a influência dos meios de comunicação de massa, valores que demoravam séculos ou décadas para serem modificados, hoje em dia, alteram-se muito rapidamente. A própria percepção do tempo evoluiu. O futuro se torna presente e o presente em passado muito rapidamente. Vivemos em um período de transição e as normas de comportamentos têm mudado com igual rapidez.

Um dos representantes mais evidentes desse avanço nos meios de comunicação e que desperta enormes discussões é a TV. Ela introduziu significativas modificações na forma como vivemos e como as crianças passam o tempo. A TV transformou-se numa espécie de "companheira e babá" das crianças. A mídia, em geral, e grupos da sociedade têm falado sobre o exagerado número de estímulos eróticos a que as crianças estariam expostas assistindo à TV, alegando que muitas dedicam mais tempo à TV do que à escola e a outras atividades.

Nem sempre os pais têm tempo para orientá-las e a maioria se sente desconfortável quando o tema é sexualidade. Isso tem gerado muitos conflitos de opiniões, principalmente para muitos pais que vêm de uma criação com proibições, falta de diálogo e liberdade que, mesmo não concordando com esse tipo de criação limitada que tiveram, muitos deles, também não sabem como se comportar com essas atitudes liberais despertadas tão cedo.

As escolas também entram em questão. No Brasil, poucas escolas desenvolvem atividades voltadas para a orientação sexual, como se não fosse também problema da escola a orientação sexual de seus alunos - e, quando o fazem enfatizam os aspectos biológicos. Por outro lado, os professores também não se sentem confortáveis para abordar o tema, também estão confusos quanto ao papel do que se espera deles quanto às crianças. Muitos, em decorrência das próprias dificuldades de lidar com o assunto, simplesmente não conseguem conversar com os alunos e deslocam as discussões para o âmbito institucional.

Ali, em meio a teorizações intermináveis, nenhum resultado prático é alcançado. A escola ainda não reconhece a TV como um meio didático, como também não possui preparo específico ou um currículo paralelo para administrar a integração do estudo da TV.

Muito ainda precisa ser feito, principalmente por parte das emissoras comerciais, que deveriam se preocupar não só com a qualidade técnica, mas, acima de tudo, com o conteúdo dos seus produtos. A programação pode ter um apelo popular, mas, para isso, não é necessário ser vulgar.

Ao que tudo indica, na falta de orientação e de esclarecimento quanto às questões e curiosidades próprias do universo infantil manifestadas no cotidiano – seja através de observações, da mídia em geral, na escola, etc. – acabam deixando as crianças entregues a todo tipo de informação distorcida ou equivocada, isto é, nas mãos dos coleguinhas ou de outras pessoas não-qualificadas para o exercício dessa função. Evidentemente, isso pode provocar grandes danos à estruturação emocional e sexual dos indivíduos.

Em meu estudo, Sobra TV ou Faltam Pais? Os Programas Infantis da TV e a Formação Sexual das Crianças [1], investiguei e analisei um conjunto de informações e dados que propiciaram maior conhecimento sobre a influência da TV, especialmente dos programas infantis, na sexualização das crianças. A partir da monitoria dos programas infantis mais assistidos na época e de questionários aplicados aos responsáveis, foi possível levantar e analisar os dados sobre o grau de interferência dos programas infantis na formação sexual das crianças na faixa de 2 a 14 anos, o cuidado dos pais quanto à seleção dos programas assistidos pelas crianças, no oferecimento de informações e orientações que contribuam para o desenvolvimento adequado da sexualidade de seus filhos e a qualidade da convivência entre eles.

Das informações levantadas, conclui-se que era baixa a incidência de estímulos eróticos nos programas infantis, os quais poderiam induzir a erotização precoce. Constatou-se, também, que a maioria dos pais não diferenciava a programação geral variada da programação infantil, permitindo que seus filhos assistissem a programas direcionados para segmentos diferentes e que eram transmitidos em horários inadequados para as crianças.

O Governo Federal e a sociedade civil deram início a uma série de discussões sobre a qualidade dos programas, abusos televisivos e suas implicações, já que não faltam estatutos, códigos, leis e outros dispositivos legais destinados a coibir a má qualidade ou os excessos cometidos em algumas programações. Não é por falta de meios legais que estamos deficientes. Precisamos é colocá-los em prática.

A TV pode se constituir, efetivamente, em um instrumento de socialização de conhecimento e é na escola o lugar onde a TV deveria ser compreendida e incorporada. Isto não quer dizer que ela venha a substituir o professor. Produzida de maneira responsável e sabendo-se usá-la, a TV – em conjunto com outros instrumentos educativos – é capaz de gerar experiências que ajudem a desenvolver capacidades intelectuais complementares a outras tecnologias. Não se pode subestimar a importância da figura do professor, da interação para o fortalecimento de vínculos, os laços de socialização, que são imprescindíveis ao desenvolvimento da criança.

Embora as TVs comerciais não tenham funções pedagógicas, elas têm funções sociais da quais não podem se omitir. Contudo, a TV não é a única responsável. É importante pontuar a responsabilidade dos próprios pais e que eles devem orientar suas crianças na seleção do que vão ou não assistir na TV. Deve-se destacar, ainda, que com a TV tendo maior preocupação e critério ético em suas produções e a família assumindo o papel que lhe cabe, ambos poderão contribuir para o adequado desenvolvimento das crianças. Mas, só com a sociedade como um todo: a família, a escola, as emissoras de TV e o governo, juntos, trabalhando e debatendo sobre o controle de qualidade da programação é que será possível desenvolver uma programação televisiva que englobe informação, entretenimento e educação, inclusive para a sexualidade. Formar crianças que encarem o sexo sem culpas é função de todos nós.

[1]Dissertação de Mestrado, Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro: 2001.

Por Sheila Reis
Site: www.sheilareis.com.br

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