quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, estamos caminhando para um novo formato de liderança, em que haverá vários nomes inspiradores, nas mais diversas áreas de atuação, os chamados líderes anônimos. Você é um deles? Descubra na entrevista dele

A vez dos lideres anônimos
Você é um deles? Descubra na entrevista com o filósofo Mario Sergio Cortella, o palestrante mais requisitado do momento
Por Daniela de Lacerda

Com a morte do papa João Paulo II, no mês passado, muita gente questionou: estamos nos despedindo do último grande líder mundial? Não, não estamos. Mas estamos caminhando para um novo formato de liderança, em que não haverá mais uma grande referência no país, na cidade ou na empresa, mas, sim, vários nomes inspiradores, nas mais diversas áreas de atuação. Quem afirma é o filósofo paranaense Mario Sergio Cortella, de 51 anos, o palestrante mais requisitado pelas empresas em 2004, de acordo com levantamento feito pela revista Exame. No mês passado, ele também foi uma das fontes mais procuradas por jornais, revistas e TVs de todo o país, interessados em ouvir suas reflexões e explicações sobre o processo de sucessão no Vaticano. É que, além de ser consultor corporativo, Mario Sergio é professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-São Paulo e chegou a morar durante três anos num convento da Ordem Carmelitana Descalça, entre os 18 e os 20 anos. Em junho, ele volta a atrair atenção como um dos destaques da Career Fair, feira de desenvolvimento profissional que VOCÊ S/A realiza nos dias 2 e 3, em São Paulo (veja a programação completa no site http://vocesa.abril.com.br/edicoes/0083/fechado/evolucao/www.vocesa.com.br). Na palestra que encerra o evento, ele fala exatamente sobre a arte de liderar, tema que vem tirando o sono de muitos executivos. "As organizações vivem uma crise de liderança e um dos principais erros, no mundo corporativo, é desenvolver meros agrupamentos de pessoas, e não comunidades de trabalho", alerta Mario Sergio. A distinção entre esses dois conceitos você confere na entrevista a seguir, exclusiva para VOCÊ S/A.

A MORTE DO PAPA JOÃO PAULO II SINALIZA O FIM DA ERA DOS GRANDES LIDERES MUNDIAIS? Ainda temos grandes nomes que nos alertam contra a acomodação, como Nelson Mandela e o Dalai Lama, símbolos mundiais da paz. No Brasil, podemos citar Dom Paulo Evaristo Arns [cardeal aposentado que foi uma das vozes da chamada ala progressista da Igreja] e, no campo da expressão estética, o escritor Ariano Suassuna. Mas vejo, sim, um processo de segmentação da idéia de liderança, em que passamos a ter cada vez menos exemplos de líderes universais e mais referências de lideranças locais, em diferentes áreas. O que precisamos fazer é tirar do anonimato esses líderes do nosso cotidiano, para que possam inspirar coletivamente. A imprensa fez isso com Zilda Arns [fundadora da Pastoral da Criança], por exemplo, que é uma referência absoluta no trabalho com crianças, mas não era conhecida. Esse é o nosso desafio: descobrir o líder que há em cada um de nós e o que está ao nosso lado. Isso me lembra uma frase que ouvi de um senhor de 80 anos de idade, em Palmas, no Tocantins, após uma palestra: "Hoje eu entendi uma coisa que meu pai sempre dizia e eu nunca tinha compreendido: a vida é muito curta para ser pequena". O líder é exatamente alguém que nos inspira a não "apequenar" a vida, o trabalho, a empresa, a comunidade, a nação, o mundo.

COMO UM DOS ULTIMOS GRANDES LÍDERES MUNDIAIS, QUAIS AS LIÇÕES DE JOÃO PAULO II? Algo em que vale a pena se inspirar é sua grande capacidade de comunicação. Além disso, ele saia da sua redoma e ia até as pessoas, o que é muito positivo. Por outro lado, era um líder que centralizava algumas decisões, o que eu vejo como um deslize. Por conta disso, não gerou condições tão imediatas para sua substituição. E é sempre uma encrenca quando um líder não deixa ninguém pronto a assumir o seu lugar. No mundo corporativo, algumas pessoas têm receio de formar profissionais que possam vir a traí-los, de olho na sua posição. Mas, se isso acontece, o erro foi seu: você não soube formar esse líder.

COMO SE FORMA UM VERDADEIRO LIDER? Cada um tem, na empresa, uma tarefa de líder, em que aprende e ensina, em que lidera pessoas ou processos. Três pontos são fundamentais para, de fato, exercer essa liderança: aprender com o outro, distinguir o novo da novidade e inspirar o grupo, em vez de expirar. Em primeiro lugar, o líder tem de ser humilde e perceber que há outros modos de fazer e pensar. Outra virtude da liderança é diferenciar os modelos de gestão e produção que não passam de modismos (a novidade) daqueles que revolucionam e são perenes (o novo). O líder só pode estabelecer esses critérios quando sabe para onde vai e está sempre estudando, ouvindo, conversando... Por fim, ele tem de inspirar e elevar a condição do grupo.

POR QUE É TÃO IMPORTANTE APRENDER COM OS OUTROS? Nesse cenário competitivo em que vivemos, o líder tem de ampliar seu repertório e ultrapassar o óbvio. E ele não pode fazer isso se estiver preso a modelos mentais, tornando-se um refém de determinados modos de raciocínio e ação. Nas palestras, minha tarefa é exatamente provocar a reflexão e produzir incômodos que levem a uma mudança de atitude. Nos últimos cinco anos, empresas com inteligência estratégica vêm recorrendo a ciências como filosofia, antropologia e sociologia para ampliar as possibilidades de intervenção e compreensão da realidade.

COMO DISTINGUIR O NOVO DA NOVIDADE EM MEIO A TANTAS TEORIAS SOBRE GESTÃO? Um líder tem de ter objetivos claros e estabelecer critérios sólidos para identificar o que não passa de modismo. É um perigo supor que, porque leu um livro sobre certo tema, você pode simplesmente transportar aquilo que estudou para a empresa sem conversar com os outros, sem ver o nível de aplicabilidade e avaliar se trata-se apenas de algo passageiro.

COMO UM LIDER INSPIRA E ELEVA A CONDIÇÃO DO GRUPO? Um líder inspirador é aquele que faz com que as pessoas respirem juntas uma determinada percepção, projeto, idéia. É aquele que fortalece e dá unidade, ou seja, que promove a sinergia do grupo. Para tanto, a equipe precisa estar em sintonia, o que só é possível quando existe simpatia. Isso não quer dizer camaradagem, tapinha nas costas... É sinônimo de respeito. Representa a capacidade de enxergar o outro e elevar seu conhecimento e seu trabalho. Muitas vezes um chefe diz: "Não sei qual o problema do nosso grupo. A gente se mata de trabalhar e as coisas não acontecem". Isso geralmente ocorre porque falta simpatia. Falta olhar o outro como outro, e não como um estranho.

QUANDO A TENTATIVA DE INSPIRAR É AUTENTICA E QUANDO É APENAS MAIS UM ARTIFÍCIO PARA ALIENAR O FUNCIONÁRIO? Se sou um líder, preciso ter uma relação leal com os liderados. E isso significa que preciso ter a sinceridade como uma de minhas virtudes. Não posso enganar as pessoas, fingir que nosso trabalho e a empresa estão indo bem, quando isso não acontece. O líder dissimulado é desmascarado mais cedo ou mais tarde. Se existe algo negativo, quando você está numa condição ruim, é alguém tentar enganar você com relação ao seu estado. O líder diz o que precisa ser dito. Quem dissimula uma situação está tentando animar a equipe de uma forma equivocada. E isso é um perigo.

O QUE FAZER SE A EMPRESA NÃO OFERECE CONDIÇÕES PARA O LÍDER ELEVAR SUA EQUIPE? Uma das principais qualidades de um líder é sua capacidade de oferecer horizontes. Antes de mais nada, ele é alguém inconformado. Pode até não ter condições, naquele momento, de atender às necessidades de seu time. Mas pode dizer "vamos ter, precisamos ter, teremos". E não de uma forma vazia, mas concreta. Ele precisa partilhar o sonho e juntar as pessoas à sua volta para buscar esse objetivo.

O LIDER IDEAL É HUMILDE, INSPIRA E ELEVA. NA PRATICA, O QUE VEMOS NAS EMPRESAS? O mundo ideal, que eu colocava, é o mundo da percepção daquilo que você pode fazer. Na prática, muitas organizações enfrentam uma crise de liderança provocada, principalmente, pela confusão entre chefe e líder. Um dos critérios para escolher um chefe deveria ser sua capacidade de liderar. Mas muitas empresas têm chefes que não inspiram nem elevam a condição coletiva. Outro problema é o fato de a liderança não estar em constante formação: é colocada uma expectativa imensa sobre o líder, sem que ele receba as ferramentas necessárias para fazer seu trabalho. Além disso, muitas vezes os liderados também não têm formação contínua. E isso é um erro grave, porque a liderança não funciona sozinha. Seu papel é fazer com que o sucesso seja construído coletivamente. Ao juntar esses três aspectos você tem uma receita de fracasso muito comum.

QUAL A CONSEQÜENCIA DA CRISE DE LIDERANÇA NAS EMPRESAS? Principalmente a dificuldade de estabelecer comunidades de trabalho, e não meros agrupamentos de pessoas. Um líder promove a reunião de pessoas com objetivos comuns e, também, com mecanismos de autoproteção e preservação recíproca. Aquele que é um simples chefe não consegue fazer isso e instala apenas um agrupamento, em que o conflito dá lugar ao confronto, ou seja, à tentativa de anular e vencer o outro, em vez de convencê-lo. Esse chefe, muitas vezes, faz com que as pessoas trabalhem no limite. Diz que os profissionais só rendem sob pressão. Ele também estimula a competitividade extrema e recorre à linguagem militar, instalando uma espécie de guerra civil dentro da empresa. Isso pode até assegurar resultados no curto prazo, mas não garante perenidade.

QUAL O IMPACTO DESSA GUERRA CIVIL NAS ORGANIZAÇÕES? Cria-se um cenário em que os profissionais olham o colega de trabalho como inimigo e vivem num estado de tensão permanente. Esse modelo leva ao desgaste, ao estresse e, portanto, à ruptura interna -- nome, aliás, que se dá ao enfarto, resultado de um estresse na capacidade de ação do músculo cardíaco. Alguns chefes enfartam seus grupos. E depois reclamam que eles não são capazes, não têm força. Um conselho para os chefes que ainda agem assim: já está ficando tarde para mudar de comportamento. Não é esgotando seu maior ativo, que são as pessoas, que você vai atingir os resultados que espera. Isso é sinal de estupidez. Há 20 anos, as empresas trabalhavam a noção de competência individual. Hoje, a lógica é outra. É preciso estruturar a força das equipes. Se você ganha, eu ganho; se você perde, eu perco. E essa relação interdependente não pode admitir a instalação do confronto interno.

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